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O legado da Gope na percussão brasileira

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by Redação M&M 26/01/2021

A reconhecida Gope tem uma rica história, não só como empresa, mas também pelo valor humano que a acompanha. Experiência, perseverança e amor marcaram o caminho. Conheça mais nesta entrevista com Humberto Rodella e Narjara Campos Rodella.

Gope Instrumentos Musicais tem uma história que merece ser compartilhada. Às vezes os usuários não percebem o que acontece por dentro da fábrica, as dificuldades que uma empresa tem de passar para obter posicionamento no mercado, para sobreviver, para não deixar o sonho morrer. A Gope nasceu de uma família batalhadora, impulsionada principalmente pelo amor à música, à fabricação de instrumentos e também às ações para ajudar o próximo.

Tivemos a honra de entrevistar Humberto Rodella, fundador da Gope, e sua filha Narjara Campos Rodella, atual CEO da empresa, para descobrir mais detalhes. 

 A entrevista com Humberto, o jeito de ele contar sua história foi tão gostoso de ouvir que decidimos abrir uma exceção e deixá-lo explicar passo a passo como nasceu, se desenvolveu e evoluiu a empresa, o mercado e a fabricação de percussão no Brasil, setor em que ele e suas criações sempre deixarão sua marca. 

Uma família musical. O começo da Gope, por Humberto Rodella

ou começar essa história pelo meu tataravô, lá na Áustria. Seu nome era Franz Weingrill, um “Meister – Blasinstrumentenbau” (mestre na fabricação de instrumentos de sopro). Em 1868, nasce seu filho, meu bisavô, Pietro Giuseppe Weingrill, pai de nove filhos, três homens e seis mulheres, entre elas minha avó, Ignez Weingrill. Franz e Pietro juntaram-se aos milhares de imigrantes europeus que vieram para o Brasil no final do século XIX e trouxeram toda a sua família. 

Já no Brasil, Pietro Giuseppe Weingrill seguiu os passos do pai e fundou uma empresa de sopro, mas não aceitava a ideia de a empresa ser administrada por mulheres, deserdando todas as suas filhas, deixando apenas os filhos homens como herdeiros. Isso fez minha avó, Ignez Weingrill, seguir outro caminho, indo para Araraquara, onde conheceu meu avô Umberto Rodella. Em sua terra natal, na Itália, ele fabricava concertina, daí sua habilidade em afinar acordeons. Casados, tiveram meu pai, Oswaldo Rodella, e mais três filhas.

Considero minha história na música um dom herdado de família, desde meus tataravós. 

Nasci em 9 de maio de 1941, na capital de São Paulo, mais precisamente no centro da cidade. Com 3 meses de vida fui morar na Rua José Getúlio, n. 154, com meu pai, Oswaldo Rodella, e minha mãe, Rosa Benedetti. 

Meu pai e meu avô Umberto nessa época trabalhavam na fábrica de sopro do seus tios. Lá meu pai sofreu um acidente, em que perdeu os dedos médio e anelar da mão direita, sendo afastado da empresa junto com meu avô. 

Quando eu tinha 4 anos, minha irmã Suely nasceu e, ao completar 11, meu pai e meu avô Umberto compraram uma casa na Rua Sinimbu. Essa casa tinha dois andares e um porão. Nesse porão começamos um pequeno negócio de conserto de acordeons. 

Fazíamos diversos consertos em acordeons importados. Nosso principal cliente era a Casa Manon. Trabalhávamos meu pai Oswaldo, meu avô Umberto e eu. Aprendi desde os 8 anos de idade sobre as notas musicais e assim ajudava a afinar os instrumentos que chegavam. Com a experiência do meu pai, além dos consertos, iniciamos a fabricação de estojos de madeira para acordeom. Naquela época eu estava com 13 anos de idade.

Por volta de 1957, aos 15 anos, tive meu primeiro contato com o mundo da percussão. Éramos vizinhos da Escola de Samba Lavapés, primeira escola de samba de São Paulo. Devido à carência de instrumentos, pediram ajuda ao meu pai para confeccionar os tambores para que a escola pudesse ensaiar. 

Sabíamos que na Rua do Glicério, paralela à rua em que morávamos, havia muitas oficinas e funilarias de automóveis, e as latas de tinta e outros materiais eram descartados. Comprávamos essas latas, transformávamos suas características, pintávamos e colocávamos a pele animal, nascendo assim tambores para que a escola pudesse ensaiar.

Nossas fornecedoras, as funilarias e automecânicas, me inspiraram a colorir, cromar e acrescentar partes aos instrumentos. 

Nessa época, nossa empresa se chamava Oswaldo Rodella & Cia Ltda., tendo como sócios Umberto Rodella e Oswaldo Rodella. Afinávamos e confeccionávamos estojos de acordeom; também fabricávamos alguns tambores de madeira sob encomenda e ajudávamos a escola de samba com os tambores de que precisasse. Já usávamos “Gope” como nome fantasia. 

O nome Gope veio de uma conversa com meu pai. Queríamos um nome que pegasse, um nome forte: “Pego, pego, pego”… Não, esse não era o nome, mas Gope sim, era esse o nome!

Em 1960, meu tio Marcelo Benedetti, percebendo as habilidades do meu pai no manuseio da madeira e de tambores de lata, pediu que ele fizesse uma bateria, e assim surgiu a primeira bateria Gope, produzida manualmente por Oswaldo Rodella com tambores de madeira e pele animal.

Meu tio Marcelo levou o instrumento para Poços de Caldas (MG) e a aceitação dos bateristas da região foi imediata! 

Além de trabalhar ajudando meu pai, eu estudava, e em 1961 me formei como técnico em contabilidade. Meu sonho verdadeiro era estudar medicina, mas precisava trabalhar e ajudar em casa desde muito novo, por esse motivo não consegui me concentrar nisso.

Em 9 de maio de 1962, dia que completei 21 anos, recebi um presente do meu pai: a empresa passaria para o meu nome. Então, decidi que a razão social seria Gope Instrumentos Musicais Ltda. 

Em 1962, meu avô Umberto morre, e meu pai e eu continuamos trabalhando. Nesse momento já estávamos focados em fabricar baterias. Nos tornávamos a primeira fábrica de bateria do Brasil, 100% nacional. 

Revestíamos a bateria com um material chamado celuloide, um material extremamente inflamável. Em 1963 me queimei pegando um rolo de celuloide em chamas para salvar minha casa. Após minha recuperação, que demorou quase um ano, pois minhas mãos, meu rosto e meu peito ficaram muito comprometidos com as queimaduras, percebi que precisava de mais espaço para confeccionar as baterias e mudei minha família para um apartamento, ficando sozinho na casa da Rua Sinimbu, que virou minha casa e a fábrica.

Em 1965, deixava uma bateria montada para que os músicos tocassem. Isso fez com que minha casa/fábrica se tornasse um encontro de músicos. Entre eles, estavam os músicos da Jovem Guarda, que passaram a ensaiar em minha casa. Muitas vezes Roberto Carlos vinha ensaiar junto.

Com essa amizade, comecei a frequentar as gravações do programa Jovem Guarda nos estúdios da Record, na Rua da Consolação, em São Paulo.

Percebi que cada músico trazia sua bateria, e isso era um grande problema para o cronograma do programa, que se atrasava a cada montagem e desmontagem, além dos problemas para microfonar bateria por bateria.

Sugeri a Hélio Ansaldo, o diretor do programa, uma forma de reduzir esse problema: colocarmos uma bateria feita pela Gope, que ficaria fixa no palco. Isso reduziria o transtorno que estavam passando. 

Imediatamente ele aceitou a ideia e então desenvolvi uma bateria para o palco do programa Jovem Guarda, apresentado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia, além do programa O Fino da Bossa, comandado por Elis Regina; Spotlight, cujo anfitrião era Wilson Simonal; Grandes Festivais, organizado por Sonia Ribeiro, entre outros. Estávamos presentes em momentos que podemos considerar o auge da produção musical no Brasil.

Todos os bateristas que passaram por lá aprovaram nossa bateria. Era o segundo modelo, desenvolvido especialmente para as gravações.

Hoje vocês chamam de merchandising, mas quando fiz, foi instintivo, foi apenas uma forma de ajudar o programa do Roberto Carlos.

Viramos um sucesso! Com a dificuldade dos músicos em comprar baterias, porque só havia marcas importadas e muito caras, a bateria Gope tornou-se a bateria do músico brasileiro.

Houve um crescimento no movimento musical no Brasil nessa época, com uma empresa nacional como fabricante. A bateria tornou-se acessível a todos.

Com o crescimento da procura pelas baterias, em 1969 precisei expandir: aluguei um galpão na Rua Silva Bueno, Ipiranga (SP), com 500 m2, totalmente dedicado à fabricação. 

Após alguns meses, em 13 de outubro de 1971, com apenas 56 anos, meu pai morre. Precisei seguir sozinho.

Em 1972, iniciei a exportação para a Europa e outros países, aproveitando o incentivo fiscal que o governo de São Paulo dava às indústrias. Também comprei uma área de 10.000 m2 na cidade de Embu Guaçu. 

Após ter comprado o terreno, descobri que não poderia iniciar a construção do galpão, pois a cidade não tinha rede elétrica trifásica, não conseguiria ligar as máquinas.

Enquanto aguardava energia elétrica para iniciar a construção, o galpão que alugava na Rua Silva Bueno foi desapropriado para a construção do Mercado Municipal do Ipiranga. Tive que procurar outro lugar e aluguei um galpão “abandonado” de um senhor italiano, na Avenida Celso Garcia, n. 1339.

O galpão tinha 3.000 m2, estava destruído. Havia telhas de barro quebradas por todo o telhado. Iniciei a fabricação dos instrumentos em um pequeno pedaço do galpão em que não chovia e devagar fui consertando o telhado e aumentando a linha de produção. 

Com uma área maior, pude expandir e desenvolver novos produtos. Conheci a pele de náilon e precisava trazer isso ao Brasil. Então, em 1974, comecei a fabricação de peles de poliéster. Primeira empresa brasileira fabricante de peles. Fabricávamos baterias, pele animal, pele de poliéster e instrumentos de carnaval em geral.

Após três anos instalado, o dono do galpão faleceu, e percebi que em breve precisaria mudar novamente. Foi quando comecei as obras no terreno de Embu Guaçu. 

Em 1975, iniciei uma pequena construção, de 8 metros de largura por 10 metros de comprimento. Dormia aos fins de semana nesse espaço para poder acompanhar as obras. Meu primeiro galpão tinha 10 metros de largura por 100 metros de comprimento. Além da obra, mantinha o galpão alugado na Celso Garcia como fábrica e loja.

Quando o primeiro galpão ficou pronto, passei a fabricar peças de madeira em Embu Guaçu e os metais ficaram na Celso Garcia, junto com a loja.

Nessa época comecei a conviver com os militares, fornecendo os instrumentos de fanfarra para todo o exército brasileiro. E, de forma sutil, a ser procurado pelas escolas de samba cariocas.

Em 1977 recebi o título de comendador, a Medalha Anita Garibaldi, o colar Giuseppe Garibaldi, grã-cruz da legião Garibaldi; da Ordem da Solidariedade Conselho do Brasil, um novo título de comendador; do Conseil National de L’ Institut Humaniste de Paris, a láurea máxima “La medaille de reconnaissance”. Honrosamente recebi também da Ordem da Solidariedade a medalha cultural de D. Pedro II e do governo de São Paulo, o título de Embaixador do Samba. Todos esses títulos são dados a pessoas que se destacam por ajudar a engrandecer a sociedade e a cultura brasileiras.

Em 1978 comecei a construção dos galpões para mudança da fábrica. Foi uma aventura. Era tanto material que acabei criando uma máquina de fazer blocos e comecei a fabricação dos meus próprios blocos. Nesse mesmo ano comecei a vender para as maiores escolas de samba do Brasil.

A década de 1980 foi um grande momento para nossa história. Tornei-me presidente da escola de samba filhote da X-9, atual X-9 Paulistana, que ajudei a fundar junto com Luiz Ademar de Moura Campos. Em 1982 vencemos o carnaval, desfilando no grupo III. Fiquei na agremiação até 1983.

Era muito influente em todas as escolas de samba de São Paulo e do Rio de Janeiro. Ajudei, doei e participei ativamente de diversas escolas que não tinham condições financeiras, além de fornecer instrumentos para todas elas. 

Convivia com todos os presidentes, mestres de bateria e principais diretores das escolas. Contribuí em diversos aspectos para o carnaval brasileiro. 

Entre alguns fatos relevantes de que me lembro, estava em uma reunião fechada com presidentes das agremiações quando um problema surgiu: como seria o cronograma dos desfiles, já que muitos homens ali participavam ativamente dos desfiles de São Paulo e do Rio. Então sugeri que fizéssemos os desfiles de São Paulo na sexta e no sábado e os do Rio de Janeiro no domingo e na segunda.

Trouxe o primeiro grande carro alegórico a um desfile de São Paulo, já que isso só acontecia no Rio de Janeiro. 

Também me recordo que alguns ritmistas da Imperatriz Leopoldinense não podiam aparecer publicamente, e como forma de ajudá-los com essa questão, me veio a ideia de fabricar uma caixa repique menor, que pudesse ser tocada de forma mais alta, apoiando quase no ombro do ritmista. O instrumento cobriria o rosto, adicionaríamos um chapéu e o problema estava resolvido. Essa forma de tocar é utilizada até hoje.

Criamos um chocalho, mas queria um nome melhor, então o registrei como “rocar”, em homenagem a Roberto Carlos, suas iniciais. Temos essa patente. São muitas histórias relacionadas ao carnaval, muitas curiosidades que vivi.

Em 1981, com exponencial destaque entre as indústrias do Brasil, tive a honra de ganhar o título honorífico de Cavaleiro Comendador, dessa vez da Augusta Fraternidade dos Cavaleiros da ordem de Samuel Aun Weor.

Em 1982 já exportávamos para mais de dez países e tínhamos mais de 140 produtos na linha de percussão.

A Gope não devia sua fama apenas à qualidade de seus instrumentos, mas também ao seu trabalho de divulgação e incentivo aos novos cantores e grupos de samba. E assim fui procurado por Neguinho do Samba para ajudar a Banda Mirim do Olodum. Ajudei porque eram crianças que precisavam de mim. Fiquei apaixonado pela ideia e dali surgiu uma grande amizade, com meu querido amigo Neguinho do Samba.

Em 1983 comprei a marca de sopro Galasso e todos os seus equipamentos. Passei a fabricar a linha completa de instrumentos de sopro. 

No ano de 1984, estávamos com 10.188 m2 de galpão construído e a fábrica a todo vapor, com mais de 430 funcionários. 

Em 1985 recebi, da Sociedade Cultural e Condecorativa do Brasil e Ordem de São Maurizio de Thegas, o título de Grã-Cruz.

Tínhamos cinco caminhões para entregas em toda a grande São Paulo, ônibus para buscar os funcionários, as maiores empresas varejistas como clientes, além do respeito dos maiores cantores e músicos do Brasil.

Recebi em minha fábrica todos os artistas, de diferentes segmentos, de Alcione a Raul Seixas e outros. 

Fabricávamos pele, violão, cavaco, guitarra, banjo, viola, flauta, trompete, saxofone, corneta, trombone, peles, bateria de madeira, bateria de acrílico, todos os instrumentos de percussão, pratos, ferragens, pedais de bateria. Todos os processos e peças eram feitos dentro da Gope.   

Em 1988 lancei o surdo com tripé para que os músicos pudessem tocar em pé ou sentados. Foi um sucesso e um grande momento para o samba.

Em 1989 estávamos com força total na feira Musikmesse, em Frankfurt. E chegamos à fatídica década perdida para a economia, 1990, e o confisco do Collor.

Estava na Europa, ia expor na feira de Frankfurt, cumpri meus compromissos, encerrei minha viagem e retornei ao Brasil. Continuei trabalhando, todos os dias, um dia de cada vez.

Tinha uma grande estrutura e um vasto estoque de matéria-prima, por isso consegui manter a fabricação e a quantidade de funcionários, mas meus clientes não conseguiam honrar com seus pagamentos e a indústria foi desacelerando. Dia após dia os números pioravam. 

Com a abertura das importações, os altos custos da matéria-prima, altos encargos, queda de venda e fatores internos, era impossível em um espaço tão curto ser competitivo em relação aos preços dos instrumentos que chegavam ao Brasil. Interrompi linhas de fabricação, pois o valor de custo da matéria-prima era maior que o preço de venda de instrumentos prontos e ainda sobrava dinheiro. Assim, segui apenas a fabricação de peles e instrumentos de percussão.

Pensei que poderia fechar, sim, mas nunca pensei em desistir. Com uma equipe menor, menos produtos, grandes dificuldades, continuei.

Em 1991 lancei o modelo chamado pandeiro de chorinho. Foi um sucesso, os músicos precisavam disso.

Me lembro quando comecei, daquelas visitas a funilarias do bairro para conseguir material para fabricar os tambores. Aquelas cores eram tão lindas e vibrantes, precisava que a Gope tivesse lindas cores também. Então, em 1993 equipei a empresa e lancei instrumentos coloridos. Quanta vivacidade aquelas cores carregavam, precisava mostrar isso para o público. Fomos expor na Expomusic. 

Nesse mesmo ano ganhamos o campeonato de futebol das indústrias com nosso time. Foi um lindo momento para a equipe de colaboradores da Gope.

Também em 1991 fui novamente procurado por Neguinho do Samba, agora para falarmos de uma banda só de mulheres humildes e negras. Ajudei com nossos instrumentos no que eles precisavam, mesmo sendo um momento muito difícil para a Gope.

A recompensa por fazer o bem não demorou a chegar. Em 1996 tivemos a gravação do clipe de Michael Jackson “They Don’t Care About Us”, com meu amigo Neguinho do Samba à frente dos tambores do Olodum. Estávamos no mundo inteiro, que momento magnífico! Até o dia de hoje esse clipe é assistido e no YouTube tem mais de 761 milhões de visualizações.

Não posso deixar de frisar que as exportações não pararam, e isso nos manteve vivos durante os piores momentos da crise interna no Brasil.

Em 1997 fechei definitivamente o comércio da Rua Celso Garcia e reabri em dois novos pontos: na Rua Belém, zona leste de São Paulo e na Rua General Osório, no centro. Também lancei a linha Pagode. Que sucesso! As coisas estavam melhorando novamente.

Em 1998 confeccionei a inovadora linha de instrumentos com pintura explosão. Foi um sucesso, estávamos à frente da inovação em percussão novamente. Também tinha retomado a fabricação de cornetas, e fomos à Expomusic para expor esses lançamentos.

No ano de 2000, minha querida mãe faleceu. Segui trabalhando e confeccionei uma linha de baterias premium, além da linha de peles Batera (marca patenteada). Lançamos expondo na Expomusic. Éramos uma das únicas empresas a fabricar uma linha completa de peles para bateria, produzidas 100% no Brasil.

Em 2003 fiquei gravemente doente, um aneurisma abdominal, e novamente me vi em um momento delicado. Foram meses de internação, além de um pós-cirúrgico longo.  Mas Deus cuidou de tudo e após alguns meses retornei ao trabalho.

Em 2004 investi em maquinário e lancei a nova linha de congas, djembês, atabaques e bongôs, uma linha com padrão de mercado internacional. Foi um grande momento para a Gope.

Em 2007 encerrei as atividades da loja na Rua Belém e abri um novo ponto de vendas, também na Rua General Osório.

Continuei meu processo de criação e em 2008 lancei os novos corpos de alumínio, sem reforço, deixando os instrumentos mais leves que qualquer outro. A percussão brasileira novamente dá um salto em evolução. O som do instrumento ficou perfeito, sem dúvida esse lançamento foi um gigante momento para nós.

Em 2009 fiquei gravemente doente de novo, dessa vez um aneurisma na carótida, mas recebi um reforço. Minha filha mais nova, Narjara, formou-se em sua primeira faculdade e começou a me ajudar na Gope, aos 19 anos de idade.

Em 2009 expomos na Expomusic, foi lindo. Estávamos com um estande sempre lotado. Recebi muito carinho de apaixonados pela marca, lojistas parceiros e artistas.

Retornei ao trabalho em 2010, totalmente recuperado e com mais motivos para seguir. 

Em 2012, após tantos anos, voltamos a expor na MusikMesse, em Frankfurt. O carinho e a aceitação do mercado me davam força. Chamavam-me de Mister Gope. Inúmeras pessoas que não conhecia, do mundo todo, se dirigiam a mim para conversar, felizes por estarem ali. Foi um momento gratificante para mim. 

Em 2014, ano de Copa, fizemos uma linha com as cores do Brasil, com um grande evento de lançamento em nossa loja, além do lançamento da linha Trio Preto+1. Ali com certeza deu-se a consolidação dos instrumentos coloridos. Expusemos na Expomusic e levamos muita cor e variedade à feira. Foi um momento em que o nosso público teve contato com os instrumentos coloridos e a aceitação dessa novidade ficava cada vez maior.

Nesse mesmo ano ingressamos nas mídias sociais. Hoje já temos mais de 110 mil seguidores de forma orgânica.

Em 2015 abrimos nossa primeira revenda exclusiva dos produtos Gope, a Pego Instrumentos. À frente do negócio, um grande amigo da família, Jorge Quininho. Foi uma aventura, tivemos que enfrentar muitos questionamentos, como tudo que é novo, mas o amor com que iniciamos essa empreitada foi o segredo do sucesso que nos tornamos no Rio de Janeiro. 

Em 2016 fomos atingidos por um tornado, que destruiu 80% da minha fábrica. Nesse dia senti que um pedaço de mim havia morrido, mas me considero muito abençoado por não ter perdido nenhuma vida com a queda do galpão.

Material nós podemos reconstruir, e foi o que fiz. Alguns dias após a queda, já estávamos reconstruindo, finalizando uma construção de 9.000 m2. 

Em 2017, junto com minha filha, lançamos a Linha Selfie. Foi um sucesso absoluto e até hoje segue como a linha mais vendida entre os coloridos. Vendemos essa linha para o mundo todo. Nesse ano também abrimos nossa segunda revenda exclusiva, a Senzala Instrumentos, no coração do Pelourinho, em Salvador (BA). 

No dia da inauguração da loja tivemos o lançamento da Linha Didá, uma linha com efeito social. Foi um dia memorável. 

Em 2019 expusemos na feira Music Show e Music SA de Florianópolis, lançando a linha Stories e os pandeiros Super Leve.  

Chegamos a 2020 com um plano de expansão agressivo. Diante da recessão do mercado, ficamos preocupados com como tudo isso iria acabar, mas nossos clientes são apaixonados e mesmo sem shows continuaram comprando nossos produtos, ainda que fosse apenas para tocar em casa. 

Em julho desse ano lançamos a linha Aprendendo Percussão, uma linha jovial e moderna, que está sendo um sucesso.

Chegamos a dez lojas revendedoras exclusivas da Gope e estamos apenas no começo. 

Agradeço a oportunidade de contar um pouco da real história da percussão brasileira a empresários, lojistas, músicos e apaixonados. Agradeço também o amor das minhas quatro filhas, dos meus dois netos e da minha amada esposa Marta, que sempre esteve ao meu lado. 

Base musical

M&M: Humberto, seu pai também fabricava instrumentos. Como isso ajudou você, estando em contato com a música desde pequeno?

Humberto: Com 8 anos meu pai contratou um professor para me ensinar a tocar sanfona. Depois, aos 16, comecei a aprender saxofone. Aprender foi natural, sinto o som no meu corpo e na alma. As ideias estão dentro de mim, as imagens surgem, tenho uma origem musical. Vejo a música com forma. Os instrumentos existem, mas quando olho para eles, consigo pensar na evolução daquela peça. Misturo características de instrumentos diferentes, sempre desmontei tudo. Eu recebia os instrumentos e desmontava, entendia a estrutura, e isso me fazia conseguir criar algo novo ou melhorar o existente. Deu-me a possibilidade de descobrir novos sons, misturas e evoluções. Não saberia explicar melhor que isso, porque está dentro de mim.

M&M: Você estava em contato com vários artistas importantes nos primeiros anos. Como foi isso?

Humberto: A grande conquista de uma marca de instrumento musical é receber apoio de músicos e professores. A forma de pensar deles é diferente, eles sabem, eles convivem com o som e têm necessidades, e com essas informações, novos instrumentos são lançados. Por conviver, ouvir e entender o que eles falavam, comecei a usar suas necessidades para evolução. A convivência com eles me mostrou a sensação de um som, a aprovação de um timbre. Acredito que essa foi a maior contribuição que os artistas que passaram pela minha vida me trouxeram.  

M&M: Que dificuldades seu pai encontrou no caminho quando começaram na percussão?

Humberto: Meu pai tinha experiência com sopro, então tudo que não estava relacionado a isso era novidade para nós. Ele tinha uma visão para a frente, inventava peças e formas de fazer, e eu, muito joven, olhava. Com o tempo, as criações passaram a ser minhas e do meu pai, mas ele era operário, não sabia vender e cuidar dos negócios. Usei o conhecimento e as habilidades da minha família em criar para atender às necessidades dos músicos. Eu queria ser dono da minha própria empresa.  Meu maior desafio surgiu quando percebi que precisava ter respostas para as necessidades dos músicos, para a necessidade daquele som específico. Tinha de evoluir o que era ruim para os músicos e buscar uma solução. Quando comecei, eu não tinha nada, não tinha cultura, material, nada. Comecei com pedaços de madeira e latas, fazia com o que tinha. Era natural, a criação de instrumentos estava dentro de mim, é da minha origem fabricar instrumentos musicais, está na minha alma, então não tive dificuldades, pelo contrário, tive muita facilidade em desenvolver os produtos.

M&M: Como você foi se adaptando às mudanças não só na fabricação, mas também com o crescimento da empresa?

Humberto: Evoluindo junto. O que meu cérebro pensa minhas mãos transformam em ação. Acompanhando a evolução, você consegue crescer. Precisamos buscar meios de colocar em prática o que sonhamos e desejamos.

M&M: Narjara, seu pai continua ativo na empresa?

Narjara: Sim, ele ainda faz parte ativamente da empresa e sempre, enquanto tiver forças, estará à frente da Gope. Somos uma dupla. Eu cuido ativamente de investimentos, estratégias de crescimento, treinamento de equipe, comercial e compras, enquanto ele cuida da qualidade dos produtos, do desenvolvimento, das novidades e dos detalhes das peças. Ele é a origem de tudo, o amor pelo som e a força de ser humano. E por isso amamos o colorido, a alegria que um instrumento pode proporcionar. 

M&M: Humberto, como você enxerga o mercado musical de hoje e os negócios? 

Humberto: A evolução mudou tudo. A comunicação entre os países, a mistura de culturas trouxe as mudanças. Antigamente não tínhamos opções, concorrência, variedades, soma de interesses entre diferentes segmentos musicais. A música passou a ter efeito na imaginação das pessoas. Ano a ano o mercado se modifica e nunca vai ser a mesma coisa. A evolução é natural, dia a dia o mundo vai passando por mudanças e com isso sempre teremos novos produtos, novos clientes, novos desafios. Podemos vender todo ano algo novo para o mesmo cliente, por isso o mercado da música nunca irá parar. Musica é paixão.

Gestão Narjara

M&M: Narjara, agora você, como CEO, continua com a visão de negócios do seu pai?

Narjara: Ouvindo meu pai falar, percebo como seria impossível não concordar. Ele é um homem muito maior do que números, é um homem de sentimento. A Gope nunca será uma empresa que visa o lucro como principal ativo, nossa missão sempre será proporcionar o melhor som ao mundo. Inovar e trabalhar duro sempre, mas por amor.

M&M: Como você descreveria seu pai, como pai e como homem de negócios?

Narjara: Meu ídolo, um homem admirável. Ele é amigo, protetor com a família, absolutamente visionário, prestativo com todos a sua volta, corajoso demais. Ele dedicou a vida a criar o que as pessoas precisam. Ele é um homem forte, consegue sempre ser otimista, mesmo em momentos difíceis, e nunca perde a fé. É muito evidente quando se está perto de alguém genial, e tenho total certeza de que ele se enquadra.

Nos negócios, fico impressionada com a sua coragem. Parece que não tem medo de nada, e sempre sabe a resposta para as minhas perguntas. Espero continuar escrevendo um história vitoriosa. Ser filha deles, Humberto e Marta, foi um presente que Deus me deu. 

M&M: O que mudou desde que você se tornou CEO?

Narjara: Tudo e nada! Eu nasci dentro da Gope, desde pequena minha brincadeira era cortar pele, carimbar notas, montar instrumentos, fazer caixa, enfim, fabricar instrumento para mim é como uma deliciosa brincadeira de adultos, mas a maturidade me ensinou sobre aumentar a rentabilidade de cada peça, como melhorar as negociações e traçar novas estratégias para o crescimento da empresa. 

Sempre irei me sentir leve por fabricar instrumentos, mas a cada ano que passa minhas metas aumentam e minhas cobranças, também. Hoje, diferente de antes, busco resultados em produtividade com menos esforço. Trouxe o sistema Lean Manufacturing para a empresa, além de altos investimentos na aquisição de novas máquinas.

Várias ações fizeram com que a Gope desde 2009 não parasse de crescer. Ano após ano tivemos melhores resultados. Novos projetos, novas equipes, novos desafios, novas aquisições, nova identidade visual, nova linha de produção, novos productos. Assim está sendo minha gestão. 

M&M: Como a fábrica evoluiu? 

Narjara: Nosso processo era extremamente manual, mas hoje faço altos investimentos para automatizar cada etapa. Em 1980, quando fabricávamos de guitarra a baterias, de saxofone a pratos, tínhamos mais de 430 funcionários. Hoje estamos com 30 pessoas. Sempre modernizando as formas de fabricar os instrumentos, buscando processos de produção e máquinas mais produtivos.

M&M: Como você se preparou para esse papel importante na empresa?

Narjara: Sou a filha mais nova das quatro mulheres, nasci em 1989, mas só em 2009 comecei a trabalhar na Gope. Então, infelizmente não consegui ver meu pai em seus melhores momentos na Gope. Fui para cobrir um buraco que sua ausência, devido ao seu estado de saúde, estava causando na empresa. 

Foram momentos muito difíceis. Tinha medo de perder meu pai e medo de tudo aquilo que precisava enfrentar todos os dias. Mas não desisti. Um dia após o outro eu estava lá, tentando resolver o máximo de problemas que conseguisse, sem parar, todos os dias. 

Minha persistência com certeza teve bons resultados aos olhos de Deus, que sempre colocava a pessoa certa na hora certa perto de mim, e preciso confessar que até hoje é assim. Acho encantador tudo que vivi e aprendi até aquí. Até nos piores momentos eu agradeço, porque tudo que passei me preparou para estar onde estou, me preparou para esse momento tão lisonjeador de estar escrevendo isso para vocês, e me prepara para os outros vários momentos que virão. 

Mais Gope

M&M: A Gope ainda vende no exterior?

Narjara: Sim, atualmente exportamos para cinco continentes. Tratando-se de percussão brasileira, nossos produtos são referência para o mundo. É muito trabalho e a busca para melhorar nosso atendimento é constante, mas os resultados nos mostram que estamos na direção certa.  

M&M: Humberto, o que você acha de seus produtos, que começou a fabricar humildemente em São Paulo, agora estarem presentes no mundo?

Humberto: Fico muito feliz por tudo que consigo desenvolver e fazer. Sou muito vitorioso, um homem realizado, mas considero que realizei 70% dos meus sonhos, e esse número nunca vai diminuir porque todo dia tenho novos sonhos! Um dos melhores momentos para mim é quando crio algo um passo à frente do que já existe. É a evolução do pensamento.

M&M: Qual é o próximo passo da Gope?  

 Humberto: Ainda espero poder fabricar todos os produtos que desenvolvi antes. Competir de forma justa. A desvalorização do real está nos dando a oportunidade de estudar, voltar para muitos de nossos produtos que fui obrigado a parar de fabricar. Aguardem novidades, pois estou aqui, sempre de olho no que posso fazer para contribuir para a música. Sou um criador de som, preparado para atender e fazer a humanidade feliz. A música traz paz e felicidade para a alma.

Redação M&M

Música & Mercado é uma publicação empenhada em promover e divulgar o mercado e negócios para o music business, indústria de áudio profissional, iluminação e instrumentos musicais. Nós amamos o que fazemos.


 

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